Ciência genética contra o coronavírus

Pesquisa desenvolvida integralmente na UEL utiliza amostras de pacientes do Hospital Universitário

Por: Murilo Pajolla

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Pesquisadores da UEL conduzem uma investigação com potencial de salvar vidas em meio à pandemia de coronavírus, que ainda parece estar longe do fim. Eles querem saber como a composição genética de cada um de nós pode influenciar na ocorrência das formas mais graves da Covid-19, possibilitando tratamentos individualizados e com melhores resultados.

A Universidade é o palco de todas as etapas do projeto, desde a coleta de dados de voluntários até a extração e análise do DNA. Os protagonistas dessa empreitada científica são profissionais da linha de frente do combate ao coronavírus no Hospital Universitário (HU) que atuam como docentes vinculados ao CCS (Centro de Ciência da Saúde) e ao CCB (Centro de Ciência Biológicas), além de alunos de graduação e pós-graduação.

O projeto “Investigação de Fatores Genéticos e Imunológicos na Infecção por Sars-Cov-2: associação com o prognóstico, morbidade e mortalidade” começou a ser gestado no início da pandemia. “Em abril do ano passado a gente percebeu que no HU havia pessoas que não possuíam fatores de risco e, mesmo assim, evoluíam de forma ruim; morriam ou passavam por muito tempo de internação e precisavam ser intubadas”, lembra a responsável pelo projeto, a professora Andréa Name Colado Simão, do Departamento de Patologia, Análises Clínicas e Toxicológicas (PAC) do CCS. Surgiu então a hipótese de que a explicação para a piora do quadro clínico poderia estar no corpo do próprio doente.

A evolução para a forma grave da Covid-19 pode ser motivada não apenas pela ação do vírus, mas também por uma reação exagerada do próprio organismo ao combater a doença. Nesses casos, ocorre a chamada “tempestade de citocinas”, proteínas produzidas em excesso pelo sistema imunológico. A resposta inflamatória, cujo objetivo inicial seria combater a ameaça externa, acaba causando danos em diversos órgãos.

“Já há estudos que relacionam mutações genéticas com a produção aumentada de citocinas em doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus. Aproveitamos a expertise adquirida na investigação dessas mutações em outras doenças para estudar se fatores genéticos estariam envolvidos na reação inflamatória exacerbada em pacientes com coronavírus. Unimos uma linha de pesquisa prévia com aquilo que já sabíamos da fisiopatologia da Covid”, explicou a professora.

Assim, o grupo de pesquisadores se debruça sobre o código genético dos pacientes que passam pelo HU, em busca de genes que favoreçam a produção de citocinas presentes nos casos mais graves da Covid-19.

Pacientes do HU contribuem com o estudo

Tudo começa com a chegada de um paciente com suspeita ou confirmação de Covid-19 no HU, que atende moradores de 98 municípios da região. Conforme o procedimento padrão de testagem, é realizada a coleta de secreções nasais e de orofaringe, por meio da introdução de um swab estéril nas vias aéreas superiores. O material passa primeiro por um extrator de RNA viral. A substância obtida, por sua vez, é submetida a outro equipamento, que a amplia e possibilita a identificação do vírus no organismo do paciente.

“É um equipamento caro - quase R$ 300 mil de investimento do HU - e tem como objetivo pegar uma quantidade muito pequena de vírus, amplificar em muitas vezes para que ele consiga se tornar detectável na amostra. Chama-se PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) em tempo real, ou RT PCR. Os equipamentos foram adquiridos pelo HU para agilizar os diagnósticos durante a pandemia. Antes, não tínhamos esse equipamento na UEL, mas já se fazia pesquisa em DNA com muita qualidade”, explica Andrea.

Caso o teste para Covid-19 dê positivo, alunos da Iniciação Científica procuram o paciente ou familiares para informar o resultado e, durante a conversa, perguntam se há interesse em participar do estudo. Mesmo fragilizada pelos sintomas, a grande maioria demonstra disposição de contribuir para a descoberta de tratamentos mais eficazes.

“Não temos dificuldade de aceitação. Não lembro de nenhum caso de alguma pessoa que se recusou. Pelo contrário, muitas vezes os estudantes estavam abordando a família e alguém do lado perguntava se podia participar. Estamos vendo uma aceitação muito boa, uma vontade muito grande de colaborar”, comemora a responsável pelo estudo.

A partir de uma amostra do sangue, o DNA do paciente é coletado e analisado. Os pesquisadores buscam saber se os doentes que tiveram formas mais graves da Covid-19 possuem características imunogenéticas que favoreçam a “tempestade de citocinas”. As informações sobre o quadro clínico também são coletadas em entrevistas ou diretamente dos prontuários, ao longo de todo o período de internação.

“A gente associa algumas mutações que já foram descritas para outras doenças e vamos ver se essas mutações estão presentes em maior frequência nas pessoas que têm Covid. Se tiver presente, vamos ver qual a associação com o desfecho, que pode ser morte, maior tempo de internação, necessidade de ventilação mecânica, ou maior carga viral detectada”.

Desde o início do projeto, mais de 750 coletas foram realizadas. A abundância de pacientes, motivada pelo avanço drástico da pandemia na região, gerou dados suficientes para acelerar a pesquisa, que já produz os primeiros frutos. “Nós já estamos bem avançados. Já conseguimos, ao mesmo tempo da coleta, ir processando essas amostras. E já estamos escrevendo o primeiro artigo científico. Estamos conseguindo algumas associações promissoras com genes que a gente está avaliando”, adiantou.

A esperança na ciência

A avalanche de novos casos, com mortalidade acentuada de jovens, levou o sistema de saúde ao colapso. O resultado, visto por todo o Brasil, são pessoas morrendo enquanto esperam por leitos hospitalares. Supostamente curados, os sobreviventes têm de conviver com sequelas, muitas vezes, incapacitantes. Habituada à situação dramática vivida no HU, a professora Andrea acredita que a pesquisa poderá ajudar a evitar os desfechos mais trágicos e possibilitar mais assertividade no tratamento.

“Será que um desses diferentes genes vai mostrar que a resposta terapêutica a um determinado antiviral ou a um corticoide é insuficiente ou inadequada? Ou ainda sugerir novas possibilidades de tratamento? Porque o que queremos é isso. Conseguir predizer quem irá evoluir de forma mais grave e propor abordagens terapêuticas que evitem ou consigam amenizar quadros clínicos graves”, projeta.

Os resultados vão contribuir para a chamada medicina de precisão, que propõe tratamentos individualizados. “Isso já tem sido feito para várias doenças, e acredito que, com a Covid-19, isso vai se desenvolver muito mais. Para algumas doenças sabemos que se o paciente tiver um determinado gene, você não aplica um determinado medicamento porque não vai ter resposta adequada”.

Com uma vida dedicada à pesquisa, Andrea está segura de que a universidade pública é o palco intransferível da produção científica e, consequentemente, do caminho para a tão desejada superação do novo coronavírus. “Independentemente de questões políticas, as instituições públicas foram protagonistas na geração de conhecimento científico e soluções na pandemia. Houve uma desvalorização muito grande do ensino e da pesquisa que as universidades públicas produzem, o que muitas vezes é fruto do total desconhecimento da nossa rotina de trabalho. As instituições públicas são responsáveis pela grande maioria das informações científicas confiáveis e pela formação de profissionais de saúde de destaque que atuam na pandemia”, assevera.