Cada vez menos estudantes conseguem concluir a graduação nas Universidades públicas do Brasil

A situação se agravou na pandemia, com a suspensão das atividades presenciais e atraso na conclusão do ano letivo. Em 2020, o contingente de formados despencou 18,7% em relação a 2019. Voltou a subir em 2021, mas ainda se encontra nos níveis de quase uma década atrás. 

  • Compartilhe:

Desde 2019, caiu de patamar o número de estudantes de instituições públicas de ensino superior do Brasil que conseguem concluir a graduação. Foram 251.374 naquele ano, 3% a menos que no período anterior. A situação se agravou na pandemia, com a suspensão das atividades presenciais e atraso na conclusão do ano letivo. Em 2020, o contingente de formados despencou para 204.174, queda de 18,7% em relação a 2019. Voltou a subir em 2021, para 219.342, mas ainda se encontra nos níveis de quase uma década atrás. Os dados constam do último Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação, divulgado em novembro de 2022.

As causas do fenômeno são diversas. Com o agravamento da crise econômica, muitos estudantes viram-se obrigados a trabalhar para poder se manter ou ajudar a família. “Alguns conseguem conciliar emprego e faculdade, outros têm mais dificuldade e acabam deixando os estudos em segundo plano”, comenta a farmacologista Soraya Smaili, ex-reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esse movimento, comum em tempos de recessão, vinha sendo observado nos últimos anos, “mas piorou muito com a pandemia”, completa a pesquisadora, que é coordenadora do Centro de Estudos Universidade, Sociedade e Ciência (Sou Ciência), força-tarefa de pesquisadores focada na produção de estudos e debates sobre políticas públicas de educação superior e financiamento da ciência no Brasil.

A prorrogação de prazos e a retenção de alunos em decorrência da emergência sanitária também tiveram influência. No entanto, para além dos efeitos da pandemia, especialistas atribuem a queda a uma desorganização dos instrumentos de manutenção da permanência de estudantes economicamente vulneráveis nas universidades públicas, como bolsas e auxílios para despesas com moradia, alimentação e transporte. “A política de cotas promoveu uma mudança no perfil dos estudantes que ingressam na graduação, ampliando o acesso de indivíduos de baixa renda, pretos, pardos e indígenas ao ensino superior no Brasil”, comenta a cientista política Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). “Esse público é reconhecidamente mais sensível às variações das condições econômicas do país, sendo, portanto, o mais afetado pela crise de financiamento da ciência e educação.”

A rubrica “outras despesas correntes” das 68 universidades federais brasileiras despencou 45%, de R$ 8,6 bilhões em 2018 para R$ 4,4 bilhões até setembro de 2022, em valores corrigidos pela inflação, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do governo federal. Nessa categoria entram as verbas destinadas à compra de material de consumo e ao pagamento de água, energia, diárias, serviços prestados, além de custeio e assistência estudantil. O orçamento do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), usado para o fomento de bolsas, auxílio-moradia, transporte, alimentação de estudantes das universidades federais, também encolheu 18,3% entre 2019 e 2021.

Dados da última Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos das Instituições Federais de Ensino Superior, divulgada em 2019, indicam que 70,2% dos estudantes das universidades federais têm renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo, sendo a renda média de R$ 640. Ainda segundo o levantamento, realizado desde 1996 pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Estudantis, vinculado à Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), apenas 4,6% dos estudantes têm renda superior a cinco salários mínimos per capita.

O aparente abandono dos estudos pode ofuscar outros movimentos. Em sua pesquisa de doutorado, defendida em 2021 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o sociólogo Gustavo Bruno de Paula verificou que até 80% dos estudantes que desistiram da graduação nas universidades federais entre 2016 e 2017 retornaram para o ensino superior. De acordo com alguns estudos, não raro esse retorno se dá para instituições privadas que ofertam cursos a distância.

Essa modalidade avança de forma acelerada desde 2010. Nesse período, o número de novos alunos aumentou 464,1%, enquanto os cursos presenciais tiveram queda de 13,9%. Parte desse crescimento se deve a um decreto publicado em maio de 2017, no governo de Michel Temer (2016-2018), flexibilizando as regras de ofertas de curso a distância.

Elizabeth Balbachevsky reconhece que os cursos a distância podem ser uma alternativa para muitos daqueles que não conseguiram ingressar ou se firmar no ensino superior público, “mas é preciso atentar para a qualidade da formação oferecida”, destaca a pesquisadora. “A simples obtenção de um diploma em um curso desse tipo não garante que o indivíduo será um profissional competitivo no mercado de trabalho.”

Os dados do Inep revelam outro evento preocupante. Nos últimos cinco anos, as universidades públicas brasileiras passaram a registrar sucessivas quedas de novos ingressantes. Em 2017, elas receberam pouco mais de 589 mil novos alunos. Em 2021, foram aproximadamente 492 mil. O número de participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também caiu ininterruptamente desde 2016. Foram pouco mais de 5,8 milhões de candidatos naquele ano. Em 2021, esse número foi de 2,2 milhões. “O problema parece ir além da permanência”, destaca Smaili. “Muitos estudantes se sentem desmotivados ou pensam ser incapazes de ingressar em uma universidade pública tendo como base o ensino que receberam na escola e nem sequer se inscrevem para prestar o exame.” Atualmente, apenas 23% da população brasileira entre 24 e 35 anos têm curso superior, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 47%.

É esperado que esse fenômeno tenha implicações importantes na formação de novos pesquisadores. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, os processos de seleção de mestrado e doutorado vêm apresentando procura limitada, indicando um possível processo de afastamento de profissionais dos programas de pós-graduação. A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também registrou redução na demanda, sobretudo nas áreas de engenharias e ciências da saúde. Vários programas tiveram de fazer dois processos seletivos por ano para não deixar vagas ociosas (ver Pesquisa FAPESP nº 315).

Renato Pedrosa, pesquisador associado do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, chama a atenção para outro aspecto do problema que ainda não foi dimensionado. “A pandemia comprometeu a formação de milhares de estudantes dos ensinos básico e médio nas escolas públicas, muitos dos quais, provavelmente, buscarão os sistemas de cotas para entrar na universidade pública”, ele diz. “É verdade que a experiência acumulada com cotas e outras ações afirmativas no país dissipou os temores de que haveria uma queda drástica no nível dos estudantes e na qualidade do ensino, mas ainda não sabemos qual a extensão do impacto da pandemia na formação dos jovens de ensino médio das escolas públicas. Meu temor é que isso comprometa o desempenho daqueles que pretendem ingressar em cursos historicamente com altos níveis de evasão, como os bacharelados de ciências exatas e engenharias.”

Os cursos de licenciatura na área de exatas, tradicionalmente de baixa demanda, também merecem atenção especial, segundo ele. “São cursos complicados, com muito cálculo, matemática e física, disciplinas que exigem sólida formação de base dos estudantes, e sabemos que os resultados em matemática nas avaliações do final do ensino médio já mostravam sérias deficiências antes da pandemia”, diz Pedrosa. A maioria das universidades brasileiras busca oferecer condições econômicas que assegurem a permanência dos estudantes. No entanto, na avaliação de Pedrosa, além do apoio financeiro, elas precisarão investir mais em auxiliá-los em suas dificuldades acadêmicas, na forma de apoio pedagógico e psicológico.

A USP se deu conta desse problema no retorno das atividades presenciais. “Muitos estudantes estavam indo para seu terceiro ano de graduação, mas ainda não haviam pisado no campus da universidade”, observa Aluísio Segurado, pró-reitor de Graduação da USP. Para auxiliar na adaptação, a instituição lançou no início de 2022 um programa de tutoria acadêmica, com bolsas para estudantes de pós-graduação e pesquisadores em estágio de pós-doutorado. O objetivo é que eles auxiliem estudantes em diferentes períodos da graduação e também novos ingressantes em atividades de reforço para acompanhamento das disciplinas. “Estamos agora trabalhando para que esse programa se torne permanente”, afirma.

Via: Revista Fapesp

Foto: Pixabay