A escola pública e a concepção empresarial de educação

Em entrevista à Rede Lume de Jornalistas, pesquisadora da UEL, especialista em educação, critica material que comparava “visão de pobre e visão de rico”, publicado pela Secretaria de Estado da Educação. Uma denúncia da entidade que representa os professores, a APP-Sindicato, fez a Secretaria de Estado da Educação (Seed) voltar atrás e retirar o conteúdo do site.

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A serviço do dinheiro: a mentalidade de rico é a de quem assume os próprios erros e a de pobre é de quem culpa as outras pessoas e o governo. A mentalidade de rico é a de quem tem ânsia de aprender e a de pobre é de que já sabe tudo. Frases absurdas e classistas do tipo, retiradas de um livro de autoajuda, fazem parte de um material de apoio que seria utilizado na disciplina de educação financeira, para estudantes de 6º ano das escolas estaduais do Paraná.

Uma denúncia da entidade que representa os professores, a APP-Sindicato, fez a Secretaria de Estado da Educação (Seed) voltar atrás e retirar o conteúdo do site. “Estigmatização da pobreza. Glorificação do dinheiro. Total ignorância sobre a realidade dos estudantes da escola pública. Redução da abissal desigualdade do país a uma questão de mérito individual”, escreveu a APP nas redes sociais. 

“A ilusão de que é possível sair da miséria por meio da força de vontade. Ideologia de herdeiro, autoajuda barata e coach quântico substituindo as ciências sociais e o debate real sobre as raízes da pobreza. A profundidade de um pires”, prosseguiu.

Para a professora do Departamento de Educação da UEL e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Educação, Estado Ampliado e Hegemonias, Adriana Medeiros Farias, o conteúdo está “em consonância com o projeto formativo que o governo vem disseminando junto à rede estadual” e expressa uma concepção de sociedade e de educação, que é “hegemônica” em vários estados brasileiros”. 

“Coaduna com o projeto ultraliberal e conservador em curso no País e de uma educação empresarial. Trata-se de um ideário meritocrático, gerencialista e privatizante”, declara. A disciplina de educação financeira foi implantada a partir da redução das aulas de disciplinas como sociologia e filosofia.

Apesar de o modelo estar se disseminando no Brasil inteiro, ela diz que Paraná é hoje a “referência nacional para esse tipo de concepção empresarial de educação”. 

“Faz com que a escola perca sua função social ao deixar de transmitir conhecimento sistematizado e adotar uma política pedagógica que tem explicitamente interesses empresariais.”

Por trás das iniciativas, estão, segundo a professora, fundações, institutos e organizações empresariais, que têm cuidado da formação dos docentes e da organização curricular. Ela chama esse conjunto de organizações “de conglomerados privados de hegemonia Lemann e sócios”. A referência é à Fundação Lemann, criada por um dos homens mais ricos do Brasil, Jorge Paulo Lemann, e que atua na área da educação.
 
“Boa parte das políticas educacionais está condicionada à forma pela qual a fundação Lemann e outras organizações e institutos dirigem a ideia de educação neste País”, afirma Adriana Farias.
 
No Paraná, especificamente, a professora ressalta a presença de “vários entes privados” que vendem apostilas e plataformas para as secretarias de educação. “Identificamos várias fundações atuando tanto na formação do docente quanto na dos gestores.”
 
De acordo com a professora, são empresários da educação que têm o Estado e os municípios com principais clientes na venda de produtos e serviços. “São alvos principais para que eles possam ganhar em larga escala dada a quantidade de estudantes e docentes que o espaço da educação pública tem.”
 
Além da Lemann, ela cita outras instituições privadas que atuam por uma educação que atende mais os interesses empresariais: Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Fundação Boticário e os grupos Vetor Brasil e Positivo.
 
“Cada um especializado num campo, mas sempre com oferta ampla de produtos e serviços. É a iniciativa privada fazendo currículos e formando professores em vários municípios.”

Adriana lembra que o Estado do Paraná vem diminuindo o tempo de aula em disciplinas como artes, sociologia e filosofia para dar espaços para conteúdos como educação financeira. “Esse modelo visa a conformação dessas crianças, desses adolescentes e dos adultos para o trabalho simples. É a conformação do lugar social que eles devem ter na ordem vigente.”

Deixa-se a educação científica e tecnológica para as elites e prioriza-se conteúdos mais simples para os estudantes da rede pública.  “É também uma forma de contribuir para a formação de um tipo de trabalhador subordinado ao trabalho simples, plataformizado.”

Em vez de receber uma educação crítica, as crianças são expostas à “falácia do sonho grande”. “A ideia de sonho grande nós encontramos com bastante frequência nos sites da Fundação Lemann, que insiste em dizer que, com esforço, com meritocracia, com cabeça de dono” todo mundo vence na vida.

O projeto visa ensinar os alunos a não reclamar e não se organizar. “E faz crítica à organização sindical dos trabalhadores.” Por esse modelo, os trabalhadores devem sozinhos fazer o planejamento de sua “subsistência em condições mínimas e sem qualquer possibilidade de organização”.

A educação financeira, da forma em que vem sendo implementada, na visão da docente, é uma “fraude” porque propõe para as crianças uma ideia falaciosa de se tornar um empreendedor em vez de trabalhador. “Ela vem sendo insistentemente apresentada não só nesse espaço, mas também em outros conteúdos, projetos e materiais veiculados em toda a rede”, declara a professora.

Texto: Nelson Bortolin/Rede Lume

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