Joice e Luis: a incrível arte de nunca deixar de sonhar

O encontro casual de dois estudantes da UEL floresceu em uma parceria gastronômica e artística no exterior 

Por Mariana Ornelas 

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Do outro lado do oceano, na terra do fado e dos pastéis de Belém, Joice e Luis foram viver um sonho antigo, mas muito poderoso: ter uma experiência de vida fora do Brasil. E começaram com anos de planejamento, de suor, de trabalho e de muita amizade. 

Joice Montefeltro é formada em Jornalismo pela UEL. Foi redatora, apresentadora, repórter, assessora de imprensa e até publicou um livro (Funcart – arte sem firula, cultura sem frescura). Trabalhou na Rádio UEL e a vinheta “Música Brasileira” é a voz dela.  

Luis Carlos Jorge formou-se em Educação Física, também pela UEL, mas acabou escolhendo outra profissão: cabeleireiro. Começou cortando o cabelo de alguns amigos para arranjar uma grana extra e acabou abrindo um salão anos depois. Porém, a grande paixão da vida de Luis é a arte. Ceramista, levou o que aprendeu em Londrina sobre esta arte lá para a Europa. 

Joice é formada em Jornalismo; Luis em Educação Física 

Joice e Luis se conheceram em uma dessas nossas saudosas noites londrinenses, em um bar cheio de universitários, com muitos sonhos, mas poucas certezas. O importante é que transformaram o desejo conjunto de viver fora em realidade, mesmo com as dificuldades.

“Sempre foi um sonho antigo. Em 1995 nós pensamos: vamos construir uma casa, vendê-la e com o dinheiro vamos embora. Só que entre comprar o terreno e terminar a casa, foram cinco anos, de 1995 a 2000. Quando terminamos, demoramos muito para conseguirmos vender, foram 10 anos. Ou seja, só conseguimos vender em 2010,” lembra Luis. O casal conta que esperou anos para mobiliar a casa, pois sempre pensavam: “vamos embora mesmo, para que mobiliar?”. Quando mobiliaram, apareceu uma compradora que adquiriu não só a casa, mas a maior parte dos móveis.

E lá foram os dois sonhadores. Venderam o imóvel em Londrina e, antes de rumarem para Lisboa, tiveram uma parada de dois anos na Itália. Joice tem a cidadania italiana e, por consequência, Luis também. Ficaram na região da Úmbria, no meio do país. “Foi uma experiência maravilhosa. Conhecemos pessoas do mundo inteiro, principalmente refugiados, algumas que fizeram travessias loucas para chegarem até lá. Fizemos muitos amigos. Só que fomos durante a crise de 2011. A vida começou a ficar mais cara e também com menos emprego”, diz Joice.

Como a ideia era mudar de vida, o casal aproveitou para aprender uma nova língua, e Luis pôde desenvolver mais a cerâmica e a fotografia. Joice foi trabalhar como tradutora freelancer e Luis desenvolveu melhor o trabalho que tinha aprendido com a ex-professora da UEL e doutora, Maria Scherlowski: começou a fazer cerâmica. 

Luis levou a Portugal o gosto pela cerâmica (Foto: reprodução/Facebook)

“Ainda em Londrina, até tentei vender algumas peças que eu fazia. Mas, às vezes, eu colocava o preço que achava interessante e não vendia. Em contrapartida, abaixava o preço, vendia e acabava me sentindo frustrado porque o valor não correspondia com o empenho colocado”, conta Luis. Já na Europa, o aprendizado virou também um novo sonho: apresentar uma comida deliciosa nos pratos decorados de cerâmica.

Joice e Luis mudaram-se para Lisboa e, no bairro da Graça, começaram sua nova aventura. Em uma portinha com 15 metros quadrados em cada andar, Luis e Joice tem seu “triplex”. Uma casa, um ateliê e um bar: o Estaminé, que significa “um pequeno bar”, mas mais que isso, “seu pequeno negócio, seu cantinho”. E é justamente isso que ambos querem: que os fregueses se sintam em casa, tomando uma boa bebida, comendo bem, com uma linda cerâmica para acompanhar e, de quebra, com conversas incríveis.

O Estaminé Art, Food and Drink tem seis anos e a proposta de levar aconchego aos clientes, que, em muitos casos, tornam-se amigos. “Neste espaço pequenininho, aconteceu de passar gente do mundo inteiro. Lisboa estava efervescendo, até chegar o coronavírus”, afirma Joice. Na pandemia, a freguesia diminuiu muito, mas o casal de brasileiros se virou para manter o sonho de pé. 

Joice e Luis falam que o momento foi e está muito difícil, por conta das medidas de restrição, em todos os âmbitos e negócios. Em Portugal houve uma questão de “ida e vinda” em relação às demandas da Covid-19. “Foi uma sucessão de fatores. A história da nossa tradição latina  é de proximidade, aqui em Portugal temos um comportamento afetivo diferente do norte da Europa. Apesar dos avisos, não aconteceram muitas ações, como multas, para que as pessoas tivessem mais cuidado. Isso atrapalhou um pouco a retomada”, afirma Luis. 

Para conseguirem se manter durante a pandemia, Joice foi trabalhar no censo português e Luis em um restaurante de amigos. Abriram o Estaminé novamente em junho, mas com horários reduzidos. “Vai ser um ano de sobrevivência, como foi 2020. Estamos tentando nos situar novamente, mas temos esperança de que tudo volte logo”, afirma Luis. 

“Nem mudo mais os horários de atendimento nas redes sociais, porque depende do governo. Agora a gente deixa um bilhete na porta”, diz Joice. Além disso, falam sobre os questionamentos que alguns amigos estrangeiros têm sobre a condução do Brasil na pandemia. “Eles perguntam como a gente deixou chegar neste ponto, mas também não conseguimos responder”, diz Joice. Ambos estão sem ver os familiares e amigos há tempos, por conta da Covid-19 e contam sobre a angústia e medo de perder alguém querido, principalmente por estarem longe.

“Nós tínhamos um propósito de irmos uma vez por ano ao Brasil, principalmente porque nossas mães estão mais velhinhas. Então, não ver a sua família e ficar com medo de perder alguém no meio disso tudo foi uma coisa muito complicada. Precisamos nos alimentar de outras coisas para termos mais sanidade, porque é muito preocupante ver tanto negacionismo no Brasil”, afirma Luis. 

Apesar da distância, da saudade, do medo da perda de amigos e familiares, o bom humor, a alegria, a esperança e os sonhos permanecem no Estaminé e em Joice e Luis. Viver a um oceano de distância é difícil, mas, nesta história, talvez viver sem sonhar seja ainda mais impossível. Vida longa aos sonhos.