Londrina foi tudo de bom

O biógrafo e jornalista cultural Jotabê Medeiros relembra seus tempos de UEL e revela sua nova relação com a cidade

Por Maisa Carvalho

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Jotabê Medeiros pode ter nascido, aprendido a andar e a falar no interior da Paraíba. Mas Londrina, e mais precisamente a UEL, onde se formou em Jornalismo, também teve um impacto decisivo em sua jornada. Hoje, com 59 anos de idade e mais de três décadas de profissão na imprensa cultural, Jotabê é reconhecido nacionalmente por seus livros de não-ficção. O primeiro deles, Bisbilhoteiro das Galáxias, foi finalista do Prêmio Jabuti em 2015. Depois veio o celebrado perfil biográfico de Belchior, Apenas um Rapaz Latino Americano. Em 2020, a polêmica biografia de Raul Seixas também ficou entre os finalistas do Jabuti daquele ano. Em abril de 2021, Jotabê lançou Roberto Carlos: Por isso essa voz tamanha, por ocasião dos 80 anos do artista. 

Mas entre o garoto de Sumé, nascido em 1962, e o talentoso biógrafo e atual editor de cultura da revista CartaCapital, houve um longo caminho, com parada em Londrina. Aprovado em Jornalismo na UEL, o ano de 1982 marcou sua chegada à cidade. Jotabê morou na Casa do Estudante – a moradia estudantil, que então ficava no centro de Londrina –, lugar onde também funcionava o bandejão, quando o Restaurante Universitário era apenas um projeto.

Logo que chegou à cidade, Jotabê ouviu os ecos da música de vanguarda que havia sido criada naquele ambiente – Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção já haviam partido, mas o sucesso em São Paulo ainda provocava uma onda de ousadia nas cabeças locais mais antenadas. Isso sem falar na nova geração de poetas, dramaturgos e atores londrinenses, seus contemporâneos, que agitavam o ambiente universitário e a efervescente boêmia.

A experiência na cidade, fundamental para sua formação, só foi possível por conta da universidade pública. “Na época em que estudei em Londrina, a UEL tinha uma mensalidade irrisória, e só por isso tive a chance de cursar uma faculdade. No início eu nem pagava, porque não tinha emprego. Ficava pendurado. A universidade pública contém a essência do espírito democrático, traz todos os segmentos da sociedade para conviverem juntos, aproxima temáticas problemáticas. A universidade para mim é isso, não existe outra”, conta o jornalista.

Ao finalizar sua graduação na UEL, a primeira porta no mercado profissional também foi aberta – a Folha de Londrina o contratou para ser repórter de cultura. Ele trabalhou no jornal local durante todo o ano de 1986. Foi lá, conta ele, que aprendeu o beabá da profissão. Também foi lá, convivendo com jornalistas como Nilson Monteiro e Edson Vicente (mais conhecido como Jerê), que Jotabê começou a desenvolver suas habilidades como repórter mas, para além disso, também o estilo de escrita que o distinguiria em seus livros – um estilo repleto de referências à cultura pop e marcado por uma oralidade cativante.

“Sempre quis escrever livros. Mas também houve um momento em que a reportagem preenchia essa ansiedade. Li grandes reportagens que eram, em si, livros e romances. A biografia ainda não é um gênero trivial para jornalistas, mas certamente vive um momento de expansão. Creio que falta compreensão maior do gênero, que vai além da reportagem tradicional e embute um grande senso de dramaturgia, de se fazer uma coreografia dos fatos”, diz Jotabê, avaliando o próprio ofício.

Um bom filho a casa torna

Depois da experiência na Folha de Londrina, Jotabê se mudou para São Paulo, onde passou por diversos órgãos de imprensa, como Folha de S.Paulo, O Estado de São Paulo e Veja SP. Fez inúmeras reportagens memoráveis, especializando-se sobretudo no jornalismo musical. Entrevistou gente como Mick Jagger, Patti Smith, Neil Young, Ringo Starr, entre muitos outros.

Naturalmente, seus laços profissionais e afetivos com Londrina se enfraqueceram durante este período. No entanto, recentemente, seus trabalhos como escritor colocaram a cidade novamente em seu radar. “Eu escrevi um livro que tem um tanto de experimentalismo. Uma fusão de ensaio, biografia e romance, e estava buscando uma forma de editá-lo”, conta Jotabê. “Foi quando recebi um livro de memórias do Arrigo Barnabé editado pelo Grafatório, um coletivo de Londrina. Eu me dei conta de que meu livro precisava de uma edição como aquela: um tratamento mais artesanal, que o credenciasse a durar também como um objeto, um tipo de prêmio ao leitor. Ao conversar com o editor, vi que o Grafatório era realmente tudo o que eu queria, pelo fato de que eles não têm pressa na produção, mantém identificação com o que produzem e não se preocupam com as regras do mercado. Foi uma sorte imensa”.

O livro O Último Pau de Arara conta a história da migração da própria família de Jotabê, que nos anos 1960 subiu em um caminhão pau de arara no interior da Paraíba rumo a Cianorte, cidade a 180km de Londrina. A obra tem forte caráter pessoal, focando sobretudo na figura do pai de Jotabê e, em muitos momentos, tendo como pano de fundo a própria história do Norte do Paraná. O livro, viabilizado através de um financiamento coletivo, foi lançado no final de fevereiro e já está à venda pela internet.

Mas o início de 2021 também foi palco de um outro reencontro de Jotabê com a cidade, dessa vez, com a Universidade Estadual de Londrina. O escritor estava trabalhando em uma nova biografia cujo protagonista ainda não podia revelar. No processo de pesquisa, ele se lembrou que, em 1986, havia entrevistado esse tal biografado para a Folha de Londrina. Logo pensou em acessar esse jornal antigo e recorreu ao NDPH – Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica, órgão da UEL que mantém um grande acervo de documentos ligados principalmente à história local. Mesmo com a pandemia, os funcionários do NDPH conseguiram localizar a matéria sobre Roberto Carlos publicada na Folha, digitalizaram o material e o enviaram a Jotabê por e-mail.

“Fui não apenas bem recebido, como integralmente atendido”, conta o biógrafo. “Este acervo da Folha de Londrina, hoje na UEL, constitui uma fonte preciosíssima sobre a constituição do jornalismo no Norte do Paraná. É o testemunho de um pioneirismo formidável, a aplicação de regras universais do jornalismo no que antigamente a gente chamava de ‘província’, mas que o jornalismo elevou à Cosmópolis”.

Muito mais do que o cenário nostálgico de seus tempos de estudante, hoje Londrina e a UEL se renovam para Jotabê como espaço de criação – seja para publicar seus livros ou para fazer as pesquisas de que necessita para escrevê-los. A formação e a experiência proporcionadas pela cidade e sua universidade pública, portanto, não se esgotaram nos anos de graduação: é algo que continua em aberto, em processo. Um reencontro que – promessa é dívida – deverá se concretizar fisicamente em breve. “No pós-pandemia, quero muito ir a Londrina para lançar o novo livro, e também beber uma cerveja com os amigos da faculdade”, promete o paraibano, radicado em São Paulo, mas com os pés ainda manchados de terra vermelha.