Produção científica brasileira caiu 7,4% no ano passado

A queda é a maior entre 23 países e o Brasil só fica empatado com a Ucrânia, que está em Guerra. Pandemia e redução no orçamento fizeram com que o número de artigos acadêmicos publicados fosse o menor desde 1996. 

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A produção científica do Brasil registrou uma queda anual em 2022, um fato inédito desde que o índice é monitorado pela base de dados Scopus/Elsevier, que monitora a publicação de artigos acadêmicos em todo o mundo. No ano passado, cientistas brasileiros publicaram 7,4% menos do que em 2021. 

A queda foi a primeira registrada desde 1996, quando começa a série de dados. O país não foi o único país que apresentou queda em 2022. Outras 23 nações do mesmo porte tiveram recuos na pandemia (foram avaliados aqueles que produzem mais de 10 mil artigos por ano). 

O Brasil, porém, foi o país que sofreu a maior queda percentual de produção científica, empatado com a Ucrânia, que está em guerra. Em 2022, brasileiros publicaram 74.570 estudos, contra 80.499 em 2021. 

Em um relatório da Elsevier em parceria com a Agência Bori de comunicação científica, publicado nesta segunda-feira, cientistas apontam a pandemia de Covid-19 como fator principal por trás da queda. Apesar de o impacto maior ter sido em 2020, ele só começa a se refletir em 2022, por causa do intervalo grande que projetos de pesquisa costumam ter entre a realização, redação e publicação. 

A média global da produção científica, além disso, não desacelerou, e teve um crescimento de 6%, puxado principalmente por China e Índia. Apesar do recuo da ciência brasileira, ela não perdeu posição no ranking global. O país continua sendo o 14º maior produção de ciência, pela métrica dos artigos publicados. 

O relatório da Elsevier/Bori não menciona outros impactos além da pandemia, mas a queda de produção da ciência brasileira ocorre em um momento delicado para o setor. Desde 2016, o orçamento federal para ciência vem caindo no país (quando corrigido para a inflação), e o processo se acentuou nos últimos quatro anos. 

— O impacto da pandemia não foi um fato isolado no Brasil, porque a queda aconteceu em vários países, mas nós imaginamos que no Brasil possa ter havido alguma contaminação também pelo efeito da falta de prioridade na ciência e tecnologia — afirma Dante Cid, vice-presidente de relações acadêmicas da Elsevier para a América Latina e coautor do relatório. 

A notícia da queda na produção científica do Brasil emerge também em um momento delicado, em que a comunidade científica reivindica que o orçamento federal de ciência seja mantido fora do teto do novo arcabouço fiscal, que limita gastos discricionários da União. 

Um comunicado conjunto reunindo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) aponta que, se o Ministério da Ciência e Tecnologia for limitado pelo arcabouço, o investimento do setor pode ficar abaixo dos níveis em que estavam na gestão Bolsonaro. 

O orçamento previsto para 2023, de R$ 3,2 bilhões, está abaixo do necessário para impulsionar a inovação e o desenvolvimento do país dizem os cientistas. 

"O valor de R$ 3,2 bilhões representa apenas 0,06% do total da Lei Orçamentária anual de 2023 (R$ 5,3 trilhões) e equivale a 0,03% do PIB brasileiro registrado em 2022", escreveram as entidades em carta a deputados federais. "Para efeito de comparação, em 2020 os investimentos governamentais em ciência, tecnologia e inovação como proporção do PIB alcançaram 0,73% na França, 0,93% na Alemanha, 0,51% em Israel e 1% na Coreia do Sul." 

Um aspecto preocupante sobre a queda da produtividade acadêmica porém, é que o processo de revertê-la pode ser demorado, mesmo com aporte de recursos no setor. 

— Um dos fatores que nos preocupam é o intervalo natural que existe entre realização e publicação da pesquisa. Mesmo retomando investimentos, você não sente o efeito de maneira imediata — diz Cid, da Elsevier. — Outro fator que preocupa é que parte da Europa está forçando a comunidade acadêmica da região a migrar para um modelo de publicação científica de acesso aberto. Esse modelo especificamente requer um pré-pagamento em dólar, que se valorizou muito e ficou alto para o pesquisador latino-americano. 

Muitos grupos de pesquisa brasileiros já aderiram um modelo de publicação aberta nacional, consagrado pela plataforma Scielo. Essa abordagem não incorre em taxas diretas para publicação, mas uma parte dos artigos publicados ficam de fora do radar da Scopus e de outras bases de periódicos indexados, e dificultam a aferição do impacto dos trabalhos. 

A queda na produção de artigos científicos se verificou em todos os grandes centros de pesquisa avaliados individualmente pelo relatório da Elsevier/Bori, e incluem grandes universidades, como USP e UFRJ. 

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi a instituição com maior queda, e isso se refletiu em um impacto maior justamente na publicação em ciências agrárias, que encolheram 13,7% em 2022. A área com menor impacto foi a das ciências sociais, com queda de 0,8%, e nenhuma divisão da ciência brasileira apresentou aumento de produção.

Via: O Globo