Que a UEL continue formando GENTE por muitos 50 anos à frente

por Gilberto Berguio Martin, conselheiro geral da Alumni UEL 

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A UEL completa neste mês de outubro 50 anos. Há 45 anos e sete meses eu entrava pela primeira vez em seu campus e, sem dúvida, minha vida ganhava uma nova perspectiva que definiria o que eu sou hoje.

Foi numa manhã ensolarada, de uma segunda feira do mês de março de 1976, no auditório do setor de anatomia e fisiologia do CCB (Centro de Ciências Biológicas), que eu assistia a minha primeira aula na universidade e o docente que começava a nos introduzir nos caminhos dos conhecimentos da anatomia humana e da medicina - que estava por vir - foi o Dr. Carlos Costa Branco (que, por sinal, tinha sido médico de minha mãe e era pai de um dos colegas de turma e hoje urologista, Carlos Augusto Costa Branco).

E assim começou a epopeia de vivenciar o estimulante mundo universitário da UEL, com sua efervescência de aulas, ideias e engajamentos típicos daqueles anos de chumbo, aos quais se contrapunham a liberalidade de ideias e de ação engajadora que vinham já como uma marca registrada da ainda jovem universidade de Londrina.

Foi a vivência no Campus, das aulas no Pinicão ou no Piniquinho (carinhosos apelidos dos auditórios maior e menor do CCB), nos laboratórios da fisiologia, da microbiologia, da parasitologia, também no CCB, nas aulas de bioestatística no CCE (Centro de Ciências Exatas), nas aulas eletivas de sociologia no CCH (Centro de Ciências Humanas), das aulas de educação física (acreditem, fazíamos nos dois primeiros anos como disciplina obrigatória e nós chegávamos ávidos por entrar nas aulas de futebol ou basquete, que obviamente não tinha mais vagas para calouros e, num desafio à física e à natureza, me inscrevi em ginástica olímpica no primeiro semestre – que obviamente não podia prosperar, e depois, nos três semestres seguintes fiquei com judô, com o querido mestre Okano - mas ainda lembro até hoje das surras que levava do amigo e colega de turma Rafael Pallone Jr., que era campeão universitário de Judô, ajudava o professor Okano nas demonstrações e sempre me chamava para ser seu sparring nestas demonstrações... consegui aprender a cair sem me machucar...).

Depois veio a vivência no nosso querido e heroico HU. Na verdade, HURNP, ou Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná. Nome e sobrenome de muito, mas muito aprendizado, mesmo.

A emoção de, na disciplina de Introdução à Clínica, termos os primeiros contatos com pacientes. O uso do estetoscópio, do esfigmomanômetro, o dimensionamento do corpo humano como espaço de investigação clínica para achar as pistas da doença escondida e, principalmente, a descoberta do paciente como ser humano e suas incríveis, as vezes tristes e as vezes muito engraçadas histórias e manifestações. Como esquecer os pacientes dos setores de doenças que levavam a internações crônicas que, após várias turmas de iniciantes, já começavam a dominar informações sobre o exame físico e diante de nossa titubeante insegurança dos primeiros contatos nos “ensinava”: “O quê? O ictus cordi? É aqui...” “Onde eu tenho um estertor bom pra ouvir? Aqui...” “Você esqueceu de ver minha temperatura”, “Você não pegou meu pulso...” (eles “aprendiam” os nomes técnicos dos locais de exame e os repetiam..).

Depois, os primeiros atendimentos “de verdade” nos ambulatórios das clínicas. Em seguida, a entrada definitiva no hospital e suas enfermarias, com o internato e o frio na espinha dos primeiros plantões nos prontos-socorros da pediatria, da clínica médica, da cirurgia, da gineco-obstetrícia... E a emoção do primeiro parto, então? No hospital, sempre achei que nada era mais maravilhoso do que o nascimento de uma criança.

Mas, na UEL, tudo isto ganhava ainda um sentido mais forte e inovador. Na sua efervescência, na abertura de seus docentes, o sentido universal de seu caráter formador ia mais longe. 

Uma vida cultural intensa: grupos de teatro, festivais de teatro e de música, apresentações de grandes nomes da MPB (Chico Buarque, Elis Regina, Caetano Veloso, João Bosco, Gonzaguinha, MPB4, etc., etc., etc.), palestras, mesas redondas, debates...

Que desaguavam numa vida política de resistência ao momento de dura ditadura implantada e ativa. E aí surge, recheando toda aquela vida acadêmica, o movimento estudantil, ou ME como costumávamos chamar.

E o ME na UEL naquele momento também tinha nome e sobrenome: Levanta, Sacode a Poeira e dá a Volta por Cima. Ou simplesmente, Poeira. Um jornal estudantil, o nosso jornal dos estudantes, o nosso ponto de convergência. De reuniões todo sábado à tarde, momento de discussão, elaboração e compreensão da realidade. Momento de mobilização que organizava os estudantes e lutava contra o ensino pago (naquela época a UEL era uma fundação e cobrava mensalidades dos estudantes), lutava pelo passe escolar (meia passagem nos ônibus, que conquistamos em 1977), pelo RU no Campus, por uma Biblioteca Central, por laboratórios mais equipados, por melhores condições de ensino... e por liberdades democráticas.

Algumas mobilizações memoráveis, outras de duros embates. Foram assim lutas como a do passe escolar, a contra os aumentos da anuidades, pela contratação de mais professores em vários cursos, reequipamento em vários laboratórios... 

Foi assim a resistência democrática dentro a universidade contra as tentativas de implantar primeiro um tal de decreto 169 e depois um regimento interno que restringia as liberdades de reunião e manifestação no Campus, inclusive com a criação de uma polícia interna. Que foi contida por uma grande mobilização estudantil que culminou com o primeiro ato público na cidade desde o início da ditadura: mais de 2 mil pessoas na Concha Acústica em defesa de liberdade dentro da universidade.

Ou a resistência que partiu do curso de medicina, contra a demissão política de docentes que eram fundamentais para o curso (como o professor Lucio Marchese, excepcional cirurgião infantil de reconhecimento nacional, que foi posteriormente reintegrado) e que continuaria numa lista extensa que extrapolaria a outros cursos e foi contida por uma greve do curso de medicina de quase 40 dias de paralisação.

Ou a resistência nacional com a ativa participação, entre outras mobilizações, na reconstrução da UNE – União Nacional do Estudantes, primeira entidade nacional da sociedade civil a se reorganizar e de cujo Congresso de Reconstrução e de sua primeira diretoria nacional eleita por estudantes do Brasil todo, tive a honra de fazer parte.

Ou a resistência técnica e acadêmica no Grupo de Estudos Sanitas Populi do Diretório Acadêmico do Centro de Ciências da Saúde - UEL ou do Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúde, CEBES, de organização nacional e que discutiam a necessidade de uma ampla reforma do sistema de saúde nacional. Que acabou compondo o Movimento da Reforma Sanitária, de cunho nacional e que foi o precursor da criação do SUS.

Esta foi a robusta formação que eu recebi da universalmente completa e complexa Universidade Estadual de Londrina. Sempre científica, diversa, ampla e cidadã, formando pessoas com capacidade de ir além da qualificação técnica, com capacidade de ser profissionais definitivamente humanos. Vida longa à UEL. Que continue formando GENTE por muitos 50 anos à frente.