Estudo investiga ideologia conservadora e desafios éticos na atuação do assistente social

Projeto de pesquisa estuda a forte presença da ideologia conservadora na sociedade, que provoca uma série de obstáculos ao pleno exercício da cidadania e desafia o trabalho dos assistentes sociais, às vezes até contaminando-os, numa afronta aos princípios defendidos pela profissão.

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Filósofa e assistente social; presidente do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-PR) e coordenadora geral do Comissão Permanente de Orientação e de Fiscalização Profissional (COFI). A professora sênior da UEL, Olegna de Souza Guedes (Departamento de Serviço Social), tem uma trajetória de atuação paralela na Academia e política, no exercício profissional, na qual aproveita conhecimentos de sua dupla formação.

Foi assim que ela chegou ao projeto de pesquisa atualmente em desenvolvimento, que estuda a forte presença da ideologia conservadora na sociedade, que provoca uma série de obstáculos ao pleno exercício da cidadania e desafia o trabalho dos assistentes sociais, às vezes até contaminando-os, numa afronta aos princípios defendidos pela profissão.

Para a professora, o projeto – contemplado com Bolsa Produtividade pelo CNPq– representa um amadurecimento de pesquisas anteriores. Nas entidades de classe nas quais tem atuado, ela já testemunhou muitos casos de denúncias pelos ou contra os profissionais, assim como apenas dúvidas sobre o procedimento mais ético a adotar em dado caso.

Esta dupla atuação revelou uma ideologia conservadora arraigada na sociedade. Na avaliação da pesquisadora, esta ideologia “cresceu assustadoramente” nos últimos anos, particularmente a partir de 2016. “Ela coíbe o acesso a direitos fundamentais e confronta o projeto ético da categoria”, pondera.

Tal ideologia se manifesta sob diversos aspectos, alguns dos quais são o foco do projeto. Um deles é o messianismo, a necessidade de um “salvador”, que rejeita o debate político e personaliza a solução dos problemas sociais. Outro é a apologia à ordem, que trata qualquer voz crítica como marginal e criminaliza a oposição. Para isso, lança mão de uma cultura de ódio justamente contra qualquer dissonância. Ainda, a moralização das questões sociais, desviando o foco das diferenças e contradições sociais, assim como dos direitos garantidos por lei.

Etapa teórica

Numa primeira etapa, a pesquisa passou por uma fase teórica, em que tanto os autores clássicos, formadores do conhecimento da área, quanto os comentadores contemporâneos, foram estudados. Depois, o estudo ampliou o foco, em busca de trabalhos já publicados mais específicos.

A professora Olegna fala da importância destas etapas, para que se compreenda rigorosamente os conceitos a seres discutidos. Por exemplo: a liberdade é um valor ético central do Código de Ética do Assistente Social. Mas não a liberdade neoliberal, que defende uma tecnocracia baseada em números (produção), uma meritocracia sem igualdade de oportunidades, ou a supremacia do mercado. Ao contrário, fala-se de uma liberdade de matriz ontológica, de possibilidades de escolhas e de condições materiais concretas de ampliar estas escolhas.

O que vem ocorrendo, de acordo com a coordenadora do projeto, é uma inversão dos valores e princípios pela mediação conservadora e suas ferramentas antidemocráticas. Assim, culpabiliza-se o pobre por qualquer problema econômico, enquanto os capitalistas parecem sempre trabalhar pelo progresso (o próprio termo é distorcido). “O pobre é criminalizado”, enfatiza Olegna.

Aí entra a moralização das questões sociais. Em si, a moral não é necessariamente um fator negativo. Afinal, respeito e solidariedade são elementos morais. “A moral dá coesão a uma sociedade”, acrescenta a professora. O problema é que mais uma vez o sistema se apropria e distorce o conceito. Assim, impera a moral burguesa, que oprime, disciplina e silencia quem se opõe a ela, por meio do Estado (leis e Justiça) ou de outras instâncias. O modo capitalista, por trás desta moral, é muito eficiente: ele é capaz de tomar uma ideia contrária, embalar e vender como nova tendência, e assim manter tudo como quer.

Enquanto faz isso e pratica outras ações como criminalizar a pobreza e precarizar o trabalho, a ideologia conservadora silencia sobre, por exemplo, o descaso com as políticas públicas sociais, e os agentes estatais, como o Ministério Público, o Poder Judiciário e o Sistema Penitenciário, acabam não atuando em favor dos direitos dos mais vulneráveis. Isso inclui a atuação do profissional do Serviço Social: há sempre (pelo menos) um em todas as instâncias necessárias para atender à população?

Por outro lado, lembra Olegna, às vezes a formação profissional não garante o embasamento necessário, capaz de “descontaminar” o próprio assistente social de ideologias conservadoras e modificar atitudes. Este é outro desafio encontrado pela professora, atuante nas entidades da categoria: relatos de profissionais que culpam as próprias pessoas por sua condição desfavorável, entre outros erros éticos graves.

Outros focos

A pesquisa conta com colaboradores da UEPG, Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Unioeste e UFMT. Nesta última, uma ex-aluna do curso da UEL se tornou docente. Eles se reúnem semanalmente on line. Participam ainda um doutorando, dois mestrandos e dois estudantes de graduação. A professora já orientou dois em Iniciação Científica. Um deles pesquisou a discriminação de gênero. Outro partiu da personagem Macabéa (da obra “Hora da Estrela”, de Clarice Lispector), uma jovem alagoana que vai em busca de seus sonhos no Rio de Janeiro. Outros estudos em andamento envolvem os valores envolvidos no sigilo do atendimento e assistência à população em situação de rua.

O projeto já produziu cursos e palestras veiculados no You Tube e publicações, além das participações em eventos científicos. No final deste mês, a ideologia conservadora será tema central no 8º Congresso Paranaense de Assistentes Sociais. Saiba mais aqui. Mais informações e inscrições no site do evento.

Via: O Perobal