Dr. Baldy: de médico e músico todo mundo tem um pouco

Professor, médico, radialista e colecionador: conheça a trajetória do homem que fez de (quase) tudo um pouco - e fez bem feito 

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Por Mariana Ornelas

Imagem em destaque: Reprodução/Os Tesouros de Baldy

Quem mora em Londrina já deve ter escutado o programa “Passado a Limpo”, feito pelo Dr. Baldy e veiculado na Rádio UEL. José Luís da Silveira Baldy é o idealizador do programa e, além de apresentador, tem mais de 50 anos de trabalho como médico infectologista e imunologista. Veio em 1971 para Londrina lecionar na antiga Faculdade de Medicina do Paraná (que veio a se juntar com outros cursos e formar a Universidade Estadual de Londrina em 1975) como professor do curso de Medicina.

“Além de médico, desde a minha juventude, tive circunstâncias muito honradas ao conhecer pessoas que me iniciaram em conhecimentos como música, literatura, até na medicina. Não me fiz sozinho, fiz-me com ajuda de pessoas e instituições... Mas, para além da medicina, aprofundei-me na música e na literatura.”

Colecionador inveterado, possui por volta de 8 mil LPs e 6 mil CDs. “Gosto praticamente de todos os gêneros musicais, mas me aperfeiçoei (entre aspas), em Música Popular Brasileira do passado. Então, a professora Maria Rosa Abelin, primeira diretora da Rádio UEL, fez o convite para eu fazer o Passado a Limpo. Às terças-feiras às 20h e com reprise aos domingos às 19h.” O programa conta a história da música brasileira e foca nas produções antes de 1960 até a Bossa Nova. Teve uma primeira edição nos anos 90, semanalmente, com 1h de duração. 

“Comecei fazendo programas sobre o Choro dos anos 70 lá do século XIX. Fiz sobre Joaquim Callado, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, até chegarem cantores mais recentes como Francisco Alves e Carmem Miranda. É voltado para música instrumental e vocal do século XIX até os anos 60.”

Dr. Baldy também tem um acervo de biografias de grandes artistas da música brasileira e afirma que, já mais experiente, está pensando no que fazer com tais obras. “Se você me perguntar, por exemplo, se eu tenho a biografia do Jacó do Bandolim, vou te dizer que tenho. Também tenho do compositor Hervê Cordovil. Tenho a grande maioria das biografias de cantores, compositores e instrumentistas brasileiros publicados no Brasil. Este acervo tem que ter uma destinação apropriada.”

Difícil escolher um disco ou discografia favoritos, mas Baldy afirma que tem suas preferências, caso da obra do cantor de MPB que, segundo o médico, é insubstituível: Orlando Silva. “Também não me esqueço das cantoras. Para mim, as duas grandes intérpretes da Música Popular Brasileira do passado são: Carmem Miranda e Aracy de Almeida. Das mais recentes, diria Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Elis Regina e Mônica Salmaso. Temos um número enorme de cantoras que são grandes intérpretes, muito mais que homens.”

Na música e na medicina 

E em outro campo de estudo, Baldy se consagrou como Dr. Baldy. “Fui convidado pelo primeiro reitor da UEL, Ascêncio Garcia Lopes, para lecionar na Instituição. Sou professor aposentado com muito orgulho. Foram 37 anos trabalhando na Universidade. Vivi muitas coisas maravilhosas e também histórias marcantes do período da ditadura,” relembra. Conta que em 1978 foi parar no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de Curitiba por ser considerado um “professor subversivo”. “Lembro-me até do nome da rua onde era aquele lugar, a João Negrão.” 

Relembra de uma greve de três meses que professores do curso de Medicina fizeram depois de uma lista de nomes de docentes que foram exonerados da instituição por serem considerados rebeldes e contra a ordem. “Até me surpreendi quando vi que não estava na lista, era bem possível que eu estivesse. Sempre provoquei os estudantes a pensarem criticamente e nunca fui a favor do regime da época.”

Entre a sala de aula e a vida fora dela, Baldy também tem uma história de peso no quesito imunizações. Junto do médico Bruno Piancastelli Filho, Baldy foi convidado a ingressar e trabalhar também na Clínica de Imunizações de Londrina, uma das primeiras do Brasil. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações e ainda é membro da mesma. “Passei por várias situações em relação aos meus estudos durante a vida. O Coronavírus não é a primeira epidemia. Lembro-me que Londrina teve um surto de meningite meningocócica em que o Hospital Universitário ficou lotado. Atendemos cerca de 3 mil casos. Tenho muitos anos de trabalho como infectologista e também não posso deixar de citar o que foi a descoberta do vírus da imunodeficiência adquirida [AIDS] nos anos 80.” 

O médico conta que teve um embate com o Dr. Dráuzio Varella sobre como usar a sigla do HIV (human immunodeficiency virus). Baldy reitera que sempre preferiu usar a sigla em português, VIH (Vírus da Imunodeficiência Adquirida). “Eu falava ao Dráuzio que tínhamos que usar a sigla em português, porque é a nossa língua, não é mesmo? Sempre preferi os termos abrasileirados.” O professor era muito amigo e colega de profissão do também médico Dr. Bruno Piancastelli Filho, que foi homenageado com seu nome no Centro de Testagem e Aconselhamento, ligado à Prefeitura de Londrina, que faz todo o procedimento de testagem e medicação de doenças como a AIDS, Sífilis, Hepatite B e C. Os dois trabalharam juntos no diagnóstico e no início dos estudos sobre HIV em Londrina.

“Isso de negarem a ciência não é de hoje. Na época deste surto de meningite meningocócica na década de 70, as vacinas contra essa doença foram implementadas a duras penas, pois o regime militar negava a existência da doença. Este governo desastroso que estamos enfrentando hoje fez e faz a mesma coisa. Era subversivo falar que havia uma epidemia, mas nós do Hospital Universitário fizemos um trabalho de repercussão no enfrentamento.” 

Muitos vinculam o nome do Dr. Baldy à Clínica de Imunizações e, de fato, ele é um dos cofundadores e ainda é diretor do local. Entretanto, sua trajetória na área de imunizações vem de antes, desde 1968. É um dos coeditores e coautores do primeiro livro sobre imunizações publicado no Brasil, junto do professor doutor Vicente Amato Neto, em 1971. Então, logo depois veio para Londrina a convite do próprio Dr. Bruno Piancastelli Filho, e abriram a Clínica de Imunizações em 1973, que se encontra no mesmo lugar desde o começo: Rua Souza Naves, 979. “No começo eu não queria trabalhar na clínica. Disse ao Dr. Bruno que poderia ajudá-lo, mas eu era professor da UEL em dedicação exclusiva e queria continuar assim. Porém, depois de uns 6 meses, ele me pediu para ser sócio para conseguir continuar. Acabei abandonando a dedicação exclusiva e passei a atender junto da Clínica de Imunizações.” 

 “Pude desfrutar da música e da literatura, que são coisas que amo, além de poder desenvolver meu trabalho na medicina, sou muito feliz por isso”, resume. Dr. Baldy é médico, músico, escritor e muito apaixonado pela vida.