Da Universidade à rua: estudos e prática de Maria Nilza pela vida da população negra

De religiosa à professora

Por: Mariana Ornelas 

 

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“Eu sempre me preocupei com as questões sociais, desde muito jovem. Morei na periferia de São Paulo e mesmo não sendo muito religiosa, foi nas comunidades eclesiais de base que comecei nos movimentos sociais. Lá, junto da juventude, lutávamos contra a ditadura militar”, assim começa a trajetória de interesse social, político e intelectual da Professora Doutora Maria Nilza da Silva.

De família humilde, antes de pensar em se tornar professora da Universidade Estadual de Londrina e pesquisadora de renome nas questões raciais, Maria Nilza foi Irmã em um convento das Irmãs Paulinas, simplesmente porque gostava dos movimentos sociais de enfrentamento que, naquela época, eram liderados por algumas comunidades religiosas (exemplo da Teoria da Libertação) e no qual a professora poderia estudar, o que ela realmente encontrou como vocação. Foram 6 anos na congregação das Irmãs Paulinas.

“Havia uma sugestão na congregação que eu estudasse Comunicação Social, mas eu queria muito fazer Sociologia. Depois de 6 anos, pedi para ficar 1 ano fora e comecei Sociologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nunca mais voltei para as Irmãs Paulinas,” afirma Maria Nilza. A professora fez graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP e todos os estudos voltados para a questão da desigualdade social e racial. Maria Nilza não tinha como sonho ser professora; trabalhava desde os 12 anos de idade e precisava daquilo para ajudar na renda familiar, mas de uma coisa ela tinha certeza: o amor pelos estudos.

“Com 14 anos eu tive meu primeiro registro em carteira. Eu me lembro que eu fiquei um ano sem conseguir estudar porque eu precisava trabalhar, acordava muito cedo, mas não dava tempo de ir à escola. Lembro-me que eu via a escola de longe e eu chorava dentro do ônibus quando ia trabalhar porque eu queria voltar a estudar”, conta Maria Nilza, pensando longe, mas com a lembrança bem viva. Ela conseguiu negociar com o patrão da época um novo turno de trabalho para conseguir estudar.

Os estudos raciais, a luta contra o racismo e o NEAB

Desde a graduação, Maria Nilza se dedicou a pesquisar a questão racial no Brasil, principalmente na questão da segregação urbana das pessoas negras. Ser pesquisadora não afastou Maria Nilza da luta contra o racismo na prática, dentro e fora da Universidade. Sempre participou de movimentos sociais e foi uma das responsáveis por encabeçar o movimento de ações afirmativas dentro da Universidade Estadual de Londrina. Desde 2004 a UEL tem ações afirmativas para estudantes de escolas públicas e estudantes negros. Em 2017, a UEL aprovou as cotas para estudantes negros oriundos de qualquer percurso. Luta do Movimento Negro da cidade e que teve apoio de várias entidades, professores, estudantes e servidores da Universidade, inclusive Maria Nilza.

A professora doutora também é coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UEL, que, nasceu como Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos (NEAA) em 1985, mas que teve seu desmembramento e criou-se dali o NEAB e o Núcleo de Estudos em Cultura Japonesa. Assim, criou-se gestões diferentes a partir de 2004/2005. Além do nome, o NEAB adotou uma nova forma de guiar os conteúdos, pesquisa e extensão a partir da adoção das ações afirmativas na UEL e para a implementação da Lei 10639, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e tornou obrigatório o ensino de cultura e história afro-brasileira.

“Só que qual era o problema: a maioria de nós, professores, não havia estudado a situação da população negra, a não ser de uma forma pejorativa, somente pelo período da escravidão. Então, quem era o negro? Um ex escravo que não tinha cultura, não tinha contribuição mais efetiva... Então nós começamos uma parceria com o Núcleo Regional de Educação de Londrina, para fornecer essa formação continuada para os professores, desde 2005. Atuamos nos cursos que formam professores em todos os níveis e também na luta pela a manutenção das ações afirmativas”, afirma Maria Nilza.

A educação é revolucionária

Os livros fazem companhia à professora desde sempre. Na entrevista concedida, eles são o adorno que compõem o vídeo. Eu pergunto qual o livro que ela está lendo, e a professora me diz, animada, que foi indicação de uma outra professora francesa que conheceu no Pós Doutorado em Paris. O livro é “Capital e Ideologia” de Thomas Piketty. “Tem uma parte, no segundo capítulo, que mostra como ainda hoje nós sofremos as consequências de sermos um país colonizado, onde houve um sistema escravocrata, embora o sistema tenha acabado". 

E sobre os planos durante a pandemia: “Este período de pandemia nos mostrou como a vida é frágil e todo o mundo conhece alguém que faleceu neste período. A pandemia está me ensinando a viver cada dia e, se eu posso estudar e daqui a algum tempo eu possa transmitir este conhecimento, é ir me aperfeiçoando cada vez mais naquilo que é o que eu gosto de fazer: estudar! Descobri a minha vocação de dar aula, porque eu era uma militante, mas descobri que dando aula você pode continuar a militância...Sinto que o nosso grupo (os movimentos sociais, professores, estudantes...), sinto que já mudamos muito a vida das pessoas, sinto que não fiz nada sozinha.”, declara Maria Nilza.

“Por causa da Universidade, houve uma mudança não só na minha vida pessoal, mas na de toda a minha família. Eu sou da periferia de Guarulhos, mas quando eu vim para Londrina dar aula, toda a minha família veio junto. Nós mudamos de vida por causa da educação. A Universidade tem um papel fundamental na sociedade, que é um papel revolucionário. Assim como a educação revolucionou a minha vida e da minha família, eu acredito nesta revolução que ocorre. Eu convivi com inúmeros estudantes que não tinham perspectiva nenhuma e hoje são professores universitários. Eu acredito nesta mudança de mentalidade que ocorre na Universidade”, afirma a professora.