Seu Luiz, o Chico Buarque do CECA

“Eu me coloquei no lugar dos estudantes, sempre"

Por Mariana Ornelas

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Luiz Gonzaga Ferreira da Silva, o Chico Buarque do CECA ou apenas Seu Luiz. O que importa, de fato, não são os nomes (que vão e voltam) do homem que passou 15 anos trabalhando como secretário dos Departamentos de Educação e Comunicação da Universidade Estadual de Londrina, mas a memória inescapável de sua conversa calma, seu sorriso largo e os olhos azuis muito sinceros. É uma unanimidade: quem quer que tenha trabalhado ou estudado em um desses departamentos reserva, em algum lugar de sua biografia, passagens de ternura sobre Seu Luiz – nome pelo qual eu também o chamei durante todos meus anos de estudante de Jornalismo. 

Seu Luiz entrou no concurso para trabalhar na UEL em 2002. Antes disso, trabalhou em um banco estatal por algum tempo, até este ser privatizado. Depois, durante cinco anos, pulou “de galho em galho”, trocando de assinatura na carteira, migrando de empresa a empresa. “Eu tinha 50 anos na época em que comecei a trabalhar na Universidade, fiz o concurso e nem imaginava que poderia passar... Mas passei!”, diz, como quem redescobre uma memória feliz. Dia 22 de julho de 2002, ele se lembra da data exata. Entrou como secretário logo depois de uma das maiores greves que a Universidade enfrentou. 

Trabalhava à tarde no Departamento de Educação e à noite no Departamento de Comunicação, e em 2003, como ele mesmo diz “sem muita expectativa, mas também sem nada a perder”, tentou e passou no vestibular para o curso de Letras na mesma universidade em que trabalhava. “Desde que entrei na UEL, fui homenageado pelo menos uma vez por ano, todos os anos. Como nome de turma, paraninfo... Foram 15 anos de UEL e 15 homenagens”. Como ex-aluna, eu tinha certeza do porquê, mas mesmo assim perguntei se ele sabia qual era o motivo para essa profusão de homenagens. Ele sabia: “Eu me coloquei no lugar dos estudantes, sempre”. 

Quando cursou Letras, logo de início Seu Luiz viu as dificuldades que os alunos podiam enfrentar em relação à burocracia, informação, documentação e até problemas emocionais na graduação e pós-graduação. Levou isso para o seu trabalho como secretário. Foram a experiência própria e a sensibilidade ao outro que forjaram seu estilo amigável, prestativo, que marcou a memória de gerações de estudantes. “Eu não poderia fazer de outro jeito... Eu sou assim. Gosto de ajudar as pessoas, de dar atenção, não teria como ser de outro jeito”.   

Hospitalidade gera hospitalidade 

“Já ajudei muito estudante que queria trancar o curso. Muitos não entendem que é um momento de transição do jovem. Às vezes ele vai morar sozinho, sente falta da família ou não se adapta muito bem ao que a faculdade é e acaba querendo trancar a matrícula. Já conversei com vários que queriam fazer isso, mas, na verdade, o que precisavam mesmo era de alguém que os escutasse”, afirma. 

Além de ter se tornado amigo e conselheiro de incontáveis estudantes com quem conviveu, Seu Luiz também foi muito próximo de diversos professores. Vários deles tinham em Seu Luiz uma espécie de braço direito, indispensável para vencer os problemas do cotidiano. A sua hospitalidade, sua disponibilidade para o outro, era reconhecida e retribuída pelos mais atentos. “Duas semanas antes de falecer, o professor Eduardo Judas Barros me chamou para ir ao Núcleo de Cultura Afro-Asiática [hoje transformado em dois núcleos: NECJ – Núcleo de Estudos em Cultura Japonesa e NEAB – Núcleo de Estudos Afro-brasileiros], e eu achei que ele queria algum favor, porque ele tinha algumas dificuldades em relação à informática. Mas neste dia, não. Ele me tratou como se fôssemos grandes amigos, mostrou os estudos que estava fazendo na época e eu fiquei muito admirado. Quando eu estava para sair do lugar, ele pegou um livro do Mahatma Gandhi e me deu. Parece uma coisa simples, mas me marcou muito”.

O apelido de “Chico Buarque do CECA” (Centro de Educação, Comunicação e Artes) foi dado por uma professora do Departamento de Comunicação. “Por causa dos meus olhos azuis, ela colocou esse apelido em mim. Mas já me chamaram assim antes, quando eu era mais novo”, afirma Seu Luiz. 

“Eu não quero descansar”

Além dos olhos azuis, agora, aos 68 anos, seu Luiz tem outra coisa comum com Chico Buarque: a música. Com a pandemia de Covid-19, ele ficou isolado com a família e não tinha mais a vida ativa que cultivava antes. Um dia, pegou seu violão e começou a experimentar uma nova forma de aproveitar o tempo: compor e cantar, algo que nunca tinha feito antes, “nem na missa”, de acordo com ele. “Ficava sentado na sala olhando para as paredes e um dia fui até o computador e comecei a escrever. No começo eu fiz umas letras que até me arrependi de ter feito, mas em outro momento fui escrevendo algo melhor”, ri de si mesmo o novo compositor. 

No canal do YouTube de Seu Luiz é possível encontrar várias canções interpretadas pelo próprio autor. Hoje, o canal tem pouco mais de 100 inscritos – um número que tende a aumentar exponencialmente, a depender das saudades dos ex-alunos e professores do CECA. Markinho, filho do compositor temporão, é quem o ajuda na edição dos vídeos. Seu Luiz também gosta de publicar suas músicas no Facebook. A última canção postada na rede social chama-se Eu não quero descansar, e no refrão, Luiz Gonzaga Ferreira da Silva, lembrando que também tem nome de músico, canta: “Eu não quero descansar / quero é mais ficar cansado / se canso com meu amor / meu descanso é dobrado // E o descanso eterno / este espero demorar / pois só se descansa assim / quando a vida terminar”. 

Outra atividade que tem ocupado Seu Luiz nos últimos tempos é o Tecer Idades, uma das frentes de um projeto de extensão da UEL chamado "Plataformas Digitais - a produção comunitária de novas narrativas alternativas ao discurso hegemônico como dispositivo de produção de novos sentidos", coordenado pelo professor Reginaldo Moreira. O projeto envolve idosos de 60 a 85 anos e busca difundir uma visão menos estigmatizada e mais diversa sobre o envelhecimento, com um programa de rádio veiculado pela UEL FM. Na pandemia, o projeto adquiriu uma outra vertente: o Tecendo Redes, que tem por objetivo cuidar da saúde (inclusive mental) dos idosos, e é voltado principalmente para aqueles que se sentem mais sozinhos. Seu Luiz foi convidado a participar do projeto desde seu início em 2017 e ajudava na elaboração do quadro Cultura Viva. “Antes da pandemia, a gente fazia um programa por mês, mas depois que a pandemia apareceu começamos a fazer mais, mesmo que online”.

Levando o olhar com saudade 

Oh, pedaço de mim

Oh, metade afastada de mim

Leva o teu olhar

Que a saudade é o pior tormento

É pior que o esquecimento

É pior do que se entrevar

A música Pedaço de Mim, escrita por Chico Buarque, dos olhos azuis iguais aos de Seu Luiz, fala da saudade de alguém. Seu Luiz leva no olhar a saudade dos tempos de UEL, tanto de funcionário, quanto estudante. “No tempo em que trabalhei no Departamento de Comunicação, vi muitas dificuldades que a Universidade enfrentava. Às vezes, aquela luta inglória. Mas a UEL em si é o esforço dos funcionários, alunos e professores que se envolvem em greve, defendem e se esforçam para manter uma instituição que merece, que tem nome e uma força muito grande na cultura.” Além da saudade, Seu Luiz enche o peito para dizer que é um filho da UEL duas vezes: pelos anos de trabalho e também pelo estudo. “Eu sou muito grato a todo a este tempo que passei na UEL. Aos professores, colegas, funcionários, alunos... Todos me ajudaram no meu crescimento.” 

Gratidão, Seu Luiz! 

(Imagem de destaque: Oficina de TV para a Terceira Idade/Facebook/reprodução)