Edson Holtz Leme: O menino do eucalipto

- “Ah, mas então você foi tudo o que pôde na UEL? Estudante, professor e servidor?” 

- “Tudo o que deu para ser.”

Por Mariana Ornelas

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Essa é uma das falas de Edson Holtz Leme durante a entrevista. Antes de ser tudo o que é, Edson era um vendedor em uma das filiais da Hermes Macedo e não sabia se queria jornalismo ou a área da educação (eu, como jornalista, afirmo que só faz este curso quem não sabe o que quer – contém ironia). Então escolheu cursar História na Universidade Estadual de Londrina, logo depois passou em um concurso para servidor do Hospital Universitário, até que começou a desenvolver o trabalho de arquivista no departamento de História (foi historiador do Núcleo de Pesquisa Histórica da UEL e diretor do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Londrina), além de ter sido professor temporário nos cursos de Arquivologia e História. Ufa!

“O processo de se aposentar pode ser muito difícil. Fiquei 37 anos trabalhando na UEL, meu vínculo com a Universidade nunca foi só trabalho, eu fiz minha família ali”, afirma Edson, que se aposentou em 2019. Olhando direto para a câmera do celular, às vezes, parecia pensativo (mas sempre muito comunicativo) em relembrar e revisitar os últimos trinta e poucos anos. Conta a história de um colega de trabalho que tirou uma licença de três meses e depois de 20 dias pediu, PELO AMOR DE DEUS, para voltar para a UEL.

“A minha dívida com a UEL é impagável!”, diz um pouco emocionado. Edson fez especialização, mestrado e doutorado e, com orgulho, afirma que tudo foi por conta da Universidade. Com uma humildade e atenção, explica que deu palestras Brasil afora sobre sua experiência com arquivos dentro do NDPH. Lembra com carinho a época de estudante: “Eu trabalhava no HU (Hospital Universitário) durante todo o dia. Almoçava correndo e depois sentava embaixo de um eucalipto para tentar ler o texto da aula da noite. Às vezes eu não entendia muito bem, por isso eu quis persistir na especialização, mestrado e doutorado.” Contou que seu apelido no trabalho era menino do eucalipto.

O carinho pelo estudo também se tornou uma forma de desenvolver ações diretas. “Eu entrei na militância por conta da Igreja. Depois saí da Igreja Católica, mas continuei na militância”, diz dando uma risada leve. Edson participou das Comunidades Eclesiais de Base e conheceu a Teoria da Libertação. Contou que, certa vez, o bispo de Londrina daquela época (meio dos anos 80), deixou que os jovens ajudassem a fazer a missa. Na ocasião, os jovens podiam dedicar a cerimônia a pessoas que julgassem importantes. “Eu me lembro que um dia eu dediquei a missa à Don Romero, um bispo assassinado em El Salvador pela direita. Não deu outra, fomos proibidos de coordenar a missa.”

“A gente precisa de utopias para viver”, explica. Lembrei-me do trecho de Fernando Birri que é citado por Eduardo Galeano, foi dito no dia em que me graduei: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” Edson não deixou!

Os estudos não pararam por ali.  É autor do livro “Noites Ilícitas”, que também fez parte de sua pesquisa do mestrado, e traz a figura da prostituição em Londrina entre as décadas de 30 a 60. “Eu percebi que a prostituição, este grupo, não tinha a uma visibilidade nem para a sociedade (mesmo sabendo que existe) e nem para a história. (...) Deu um impacto legal depois do livro, foi um presente”. 

Mas não só de estudo vive e viveu o menino do eucalipto. Edson é presidente da Fundação Cultura Artística de Londrina, a Funcart. “Quando me aposentei, a minha sorte é que tinha a Funcart com as atividades. Faz anos que sou presidente, sempre mexi com cultura e isso me ajuda muito. Estou correndo esta semana com isso, porque vou montar um solo, com figurinos e filmar em casa...” Quando o procurei para marcar a entrevista, ele me disse que tinha que ver na agenda pois estava participando de uma ação da Universidade contra a Covid-19 e também tinha de ajudar em um ensaio de uma peça da Funcart, além de fazer parte de uma banca de mestrado. (Tenho quase um terço da idade de Edson, me senti três terços mais velha.)

Sorrindo e contando toda a sua trajetória, compartilhou que também participa do Fotoclube de Londrina e descobriu na fotografia outra maneira de se expressar por meio da arte. Quando achei que Edson era só um estudioso, amante das artes, ator, militante, ele também me disse que anda de bicicleta e caminha. Acho que a utopia é bem amiga dele, ela vai um pouquinho mais rápido, mas Edson nunca a deixa tão longe que não possa vê-la e segui-la.  “A UEL nunca vai sair da minha vida”, afirma Edson. Pois os eucaliptos não saíram dela e ela nem quer que saiam. Edson, que você sempre siga a utopia e ela, você.