Por uma universidade com saída para a rua

Integrantes do MARL – Movimento dos Artistas de Rua de Londrina revelam a importância da UEL em sua atuação como militantes 

Por Felipe Melhado

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Para quem acompanha a cena cultural londrinense, a história provavelmente já é bem conhecida. Em 2012, grupos de cultura popular, teatro de rua, dança, capoeira angola, entre outras manifestações que ocorrem em espaços públicos perceberam coletivamente a necessidade de se organizarem politicamente. Eles decidiram se juntar para formar o MARL – Movimento dos Artistas de Rua de Londrina. As lutas por uma política cultural pública, participativa e democrática cresceram, ao ponto de o movimento sentir a necessidade de um espaço físico para ampliar sua capacidade de atuação. Então, em 2016, o grupo deu um passo à frente e protagonizou a ocupação do antigo prédio da ULES – União Londrinense dos Estudantes Secundaristas, na Avenida Duque de Caxias, centro da cidade. 

A ocupação repercutiu em Londrina com poucas manifestações contrárias e amplo apoio popular, inclusive por parte dos comerciantes que avizinham o edifício. Tanto é que, em relativamente pouco tempo, a Prefeitura cedeu o espaço para o uso do movimento. Surgia o Canto do MARL, espaço cultural que se consolidaria sobretudo com a aprovação no edital de Vilas Culturais do PROMIC (Programa Municipal de Incentivo à Cultura), o que viabilizou sua continuidade e melhorias estruturais. 

O espaço se tornou então uma referência para eventos socioculturais da cidade. Hoje, a programação do Canto do MARL conta com iniciativas como o Feirão da Resistência, que abre espaço para a venda de produtos do MST e de outros pequenos produtores locais, além de peças de teatro, apresentações musicais, oficinas formativas, biblioteca, entre outros projetos. 

A linha de frente do MARL é formada por artistas, militantes e produtores culturais com trajetórias bastante heterogêneas. É verdade que muitos deles não têm passagem pelo ensino superior, tendo trilhado outros caminhos de aprendizagem, ensino e criação artística. No entanto, boa parte deles formou sua sensibilidade política na universidade pública, sobretudo na Universidade Estadual de Londrina. 

Esse é o caso de Danilo Lagoeiro, um ex-integrante do MARL que esteve na articulação do movimento desde o início. Segundo ele, a especialização na área de Comunicação Popular e Comunitária e o Mestrado em Comunicação Visual, ambos realizados na UEL, foram fundamentais para seu engajamento na militância cultural. “A Universidade contribuiu muito com o debate teórico e com essa perspectiva da práxis, de intercalar teorização, debate e atuação política”, avalia Lagoeiro. Em seu caso específico, essa experiência de intercâmbio entre a UEL e a militância é uma via de mão dupla, já que, atualmente, Lagoeiro é professor colaborador da Universidade no Departamento de Relações Públicas. Um ofício que, garante, é totalmente atravessado pela experiência como militante: “A experiência da UEL alimenta a militância e a militância alimenta a experiência da UEL”, diz o docente.

Lagoeiro faz a ressalva, no entanto, de que a Universidade nunca apoiou o MARL institucionalmente. “Sabemos que a UEL é um território em disputa. Mas muitos docentes, individualmente ou com seus grupos de pesquisa e extensão, se engajaram com o movimento. Muitos professores, por exemplo, deram aulas públicas durante o período da ocupação. Isso sem falar nos alunos de Artes Visuais, Artes Cênicas, Arquitetura, Comunicação, etc., que sempre deram força”, rememora Lagoeiro.   

Foi nas aulas com Danilo Lagoeiro, na pós em Comunicação Popular e Comunitária, que o então estudante Lucas de Godoy se interessou em colaborar com o MARL. Logo ele começou a frequentar as reuniões do movimento e a se envolver cada dia mais com suas pautas. Hoje, Godoy atua como programador cultural e presta serviços de assessoria de comunicação para o movimento. “Ter a oportunidade de participar de um projeto com o MARL, para mim, é muito enriquecedor. É uma forma diferente de pensar a comunicação, através de um processo coletivo. A gente nunca tá sozinho”, diz Godoy. 

Em sua avaliação, a experiência na pós-graduação foi decisiva para que ele se envolvesse com a militância dos artistas de rua. “Eu já admirava a atuação do movimento na cidade, mas me envolvi com eles em razão do curso”, conta o jornalista. “Eu acho que essa pós-graduação da UEL é única no Brasil, não conheço mais nenhuma que tenha essa mesma ênfase na comunicação popular. A oportunidade de ter me formado nesse curso abriu muitos novos campos de saber e de atuação para mim, como por exemplo o MARL”. 

Outra ex-estudante da UEL que atualmente se dedica ao MARL é Renata Santana. Formada em Artes Cênicas, hoje ela é a produtora administrativa do Canto do MARL, além de atuar em diversos outros projetos culturais e artísticos. “Eu já frequentava o espaço enquanto espectadora e também como artista desde o início da ocupação, em 2016. Mas foi em 2018 que me aproximei um pouco mais do movimento. Naquele ano iniciei o projeto Marcas no Corpo, com minha companheira de vida e de arte Natália Viveiros, que também atua no MARL. Nós circulamos por Londrina com oficinas de teatro gratuitas para mulheres cis e trans em situação de violência e vulnerabilidade, e um dos locais onde as oficinas foram realizadas foi o Canto do MARL”, conta Renata. “Quando o projeto de Vila Cultural foi inscrito no PROMIC, fui chamada para fazer a gestão administrativa, e para mim foi uma grande oportunidade de experiência profissional. De lá para cá tenho contribuído para a construção e manutenção do movimento e do espaço. Mas o MARL também é o meu espaço de residência artística, onde faço minha própria pesquisa”.  

Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, como se sabe, o setor artístico e cultural foi um dos mais afetados. Isso obrigou a muitas instituições, artistas e coletivos a se reinventarem, inclusive o MARL. O grupo reestruturou sua forma de atuação por meio do projeto Cultura em Resistência, uma programação cultural on-line que é veiculada pelo canal do YouTube do movimento. Outro projeto que também teve de migrar para as plataformas digitais foi o Curso Livre de Teatro de Rua. “Além disso, neste período de pandemia, ficamos um tempo fechados e nos readequando, reformando o espaço para receber o público quando tudo isso passar”, conta Natália.

Assoberbada com questões práticas neste período desafiador para todo produtor cultural, Natália não deixa de relembrar, no entanto, a importância que a UEL, enquanto instituição de ensino e pesquisa, tem para um movimento social como o MARL. “É de extrema importância esse diálogo entre a Universidade e a comunidade londrinense. Tanto no aspecto formativo quanto colaborativo. As participações do MARL em projetos da Universidade foram sempre muito positivos, e com resultados excelentes”, avalia a produtora. “Os eventos realizados em parceria com a UEL no espaço do Canto do MARL também sempre agregaram uma diversidade muito interessante de público, além de levantar temáticas importantes para o movimento, como minorias políticas, acessibilidade, pautas ambientais, históricas, entre outras transversalidades. É uma sempre uma troca, que contribuiu para a construção e o fortalecimento do movimento”.