Tessituras do Tecer Idades

A velhice é uma questão subjetiva

Por: Mariana Ornelas

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Tecituras ou tessituras? De acordo o dicionário Michaelis, o primeiro termo se refere à “característica de um tecido resultante do modo como os fios se entrelaçam”. Já o segundo, além de outros significados, quer dizer “disposição e união das partes de um todo; contextura; organização”. Significados distintos, mas sentidos próximos: ambos dizem respeito ao ato de entrelaçar, criar e organizar novas experiências, formar algo em conjunto. Essa definição também tem tudo a ver com o Tecer Idades, uma das vertentes do projeto de extensão da UEL intitulado Plataformas Digitais: a produção comunitária de novas narrativas alternativas ao discurso hegemônico como dispositivo de produção de novos sentidos.

“O Tecer Idades é um projeto que junta comunicação e envelhecimento. Reconstruindo a auto estima, reconstruindo a fala e a própria imagem do idoso”, conta Reginaldo Moreira, que é professor do Departamento de Comunicação e coordenador do Plataformas Digitais.

O objetivo desse projeto de extensão é desenvolver plataformas de comunicação voltadas às comunidades com menos proteção social. O Tecer Idades é voltado para os idosos, porém o projeto também já realizou ações com usuários de serviços de saúde mental, com a população LGBTQIA+, com moradores de ocupações urbanas (como no Flores do Campo), entre outros. Estas comunidades são acionadas pelo projeto em parceria com coletivos e movimentos sociais que já desenvolvem ações junto delas.

Reginaldo Moreira fez sua graduação em Jornalismo na PUC de Campinas, estudou gerontologia na Unicamp e se tornou doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Sua entrada como professor da UEL aconteceu em 2013, ano em que também começou o Tecer Idades. De lá para cá, idosos de mais de 60 anos e estudantes de graduação tiveram a oportunidade de trabalhar, trocar e criar o projeto em conjunto.

Conflito de gerações?

“É muito interessante essa relação intergeracional que acontece entre eu – que estou na meia idade –, os alunos que têm 17 ou 18 anos e os idosos. Percebemos a todo o tempo que a idade é relativa: a velhice é uma questão subjetiva, que o outro imprime a você. Velho é sempre o outro”, diz Moreira.

Jair Segundo, estudante de jornalismo, integrou o Tecer Idades como bolsista em 2017. Para ele, a experiência teve um ineditismo particular: “Eu não tive muito contato com pessoas idosas quando era mais novo, e este foi um dos motivos que escolhi participar do Tecer Idades. Foi incrível! Era uma troca. Este foi o maior benefício, pois conversávamos nas reuniões do projeto e também informalmente. Isso me trouxe muito conhecimento. Porém, existe um choque de geração e tínhamos que lidar com ele. Tínhamos que ter a mente aberta e entender que por mais que estivéssemos aprendendo muito, também iria existir o contraste de opiniões, e que estava tudo bem com isso”, conta Segundo.

Luiz Gonzaga Ferreira da Silva, o Seu Luiz, é um dos participantes do Tecer Idades. “Desde o início eu queria fazer um programa sobre a história da música brasileira. Em princípio o professor Régis achou um pouco estranho, mas o convenci dizendo que estamos na terceira idade, e que poderíamos conversar sobre músicas da nossa época também. Argumentei que, se temos o que temos hoje, começou lá atrás. E isso é dar valor ao movimento musical do Brasil”. Revisitar a história da música brasileira foi a forma escolhida por Seu Luiz para promover esse diálogo com as gerações mais novas.

Tecendo Redes

Durante dois anos, o Tecer Idades produziu programas de rádio que eram veiculados na UEL FM (107.9 FM) e que iam ao ar uma vez ao mês. Por conta da pandemia, o formato teve de mudar. Como os idosos participantes já não podiam sair de casa para os encontros, o programa passou a ser gravado ao vivo (via Zoom) e veiculado na própria página do Facebook do Tecer Idades. Uma das preocupações surgidas durante a pandemia de coronavírus, não só no âmbito do Tecer Idades, mas também na Câmara Municipal de Londrina, especificamente no Conselho dos Direitos dos Idosos, foi a questão da solidão do idoso durante o isolamento social. Foi percebendo a necessidade de um canal de comunicação para os idosos que se encontravam sozinhos que se criou o Tecendo Redes, projeto que é uma espécie de migração do Tecer Idades para o ambiente virtual.

“Fizemos uma reunião com o Conselho dos Direitos dos Idosos e criamos o Tecendo Redes. Ela é uma rede ampliada, composta por alunos e profissionais voluntários que querem colaborar com produção de conteúdo e transformar a página do Facebook que já tínhamos. No auge do projeto, foram 40 profissionais e estudantes participando, inclusive de fora de Londrina”, afirma Reginaldo Moreira. Um dos objetivos do Tecendo Redes é, justamente, estabelecer uma comunicação que preze pela saúde mental dos idosos, mas também promover debates e conteúdo entre eles e a comunidade.

Para Moreira, é preciso criar espaços de comunicação para que o idoso possa se expressar de uma forma não estigmatizada. “O idoso não quer falar só de doenças. Este estigma tem que mudar. Alguns idosos me diziam: se você veio aqui falar doença, de osteoporose, vá falar para os jovens, que eles conseguem remediar!”, ri o professor. “A nossa pauta não é trabalhar com diagnósticos, mas trabalhar com a potência dos idosos. Quando nós abordamos o tema saúde, ou falamos sobre serviços ou sobre essas potências”.

Comunicação terapêutica

Em termos bem gerais, a psicanálise freudiana está baseada na “cura pela fala”. Mesmo que os idosos do Tecer Idades não estejam em análise propriamente dita, a expectativa é que o projeto funcione de forma terapêutica. “Neste projeto, eu trabalho com o conceito de que a comunicação pode ser terapeutizante. As pessoas entram de um jeito e saem de outro. Durante a pandemia mesmo, observamos que alguns ficaram muito depressivos e o projeto ajudou a reorganizar a vida. Muitos acabam criando novos sentidos para a própria existência”, avalia Moreira. Para os mais jovens, o projeto contribui ao exercitar suas habilidades profissionais – como foi o caso de Jair Segundo, o estudante de jornalismo que, integrando o Tecer Idades, aprendeu mais sobre técnicas de produção e edição em rádio. Mas o projeto tem uma dimensão além da profissional. “Pessoalmente, eu acredito que o contato com pessoas diferentes, que pensam diferente, me fez ver que é possível gostar e respeitar muito aqueles que não são iguais a você. Eu adorava fazer parte do projeto. Sentia que confiavam em mim”, conta Segundo.

Como se vê, muito além de um programa de rádio ou de uma página em uma rede social, o projeto tem como principal resultado algo de imensurável, impalpável: o afeto intergeracional, a convivência que revela possibilidades inimaginadas e novos sentidos para a existência. Tudo sendo criado com a força da comunicação – um tecido de consistência sutil, mas cores vibrantes, que há oito anos é tramado na Universidade Estadual de Londrina.

Quer participar do Tecer Idades? Entre em contato com o projeto pela página do Facebook!